CONCURSO PÚBLICO | EMBRULHA PRA VIAGEM

Mano, depois que me tornei um concurso público,
aprendi uma coisa. O segredo
é acreditar na sua capacidade. Depois de quase uma vida inteira,
quase três meses trabalhando incansavelmente para meu pai
de terça a sexta duas horas por dia para
ganhar quinze mil reais, me virei para ele e disse:
“Para quê? Se hoje um desembargador ganha mais ou menos
quarenta mil reais?” Eu não pensei duas vezes.
Eu me demiti. Decidi acreditar no meu talento. Oi. Com licença. Você não é o Armandinho do 5B da turma de 86
da Escola Bom Senhor? -Sou eu, tio.
-Ah, que legal. Lembre de mim?
Eu sou Eugênio. Não, você me ensinou, tio? Não não. Eu estava na mesma classe que você. Eugênio.
Eu era o campeão de natação. Ah, irmão! Lembrei-me! Você parece o mesmo.
A mesma agilidade. Agradável. Você é o mesmo também, certo? Mesmo cabelo preto, mesma camisa,
mesmo skate. Lembro que na nossa adolescência você gostava de namorar
garotas mais maduras, certo? Mais de 20 anos. Sim.
Eu estava com um jovem de 22 anos agora. Bia, que mãe, mano.
Mas então não funcionou. Então você tem uma ideia,
eu até fiz Botox pra ela, sabe? Mas agora o
botox saiu do meu corpo, mas a Bia não sai
da minha mente, acredita, mano? Acredito em você . Lembro que na época
você estava dividido entre fazer engenharia,
sociologia, medicina, ou talvez prestar
concurso para arquivista na cidade de… Pirapora do Bom Jesus.
Aquele, mano! Sempre fiz muitas coisas
ao mesmo tempo. Todo esse tempo, na
minha carreira universitária, tenho algumas startups
trabalhando em esculturas durepox. E paralelo a isso
, nestes 20 anos, sempre focado em concursos públicos. Sua mãe
me deu seu número. Ela disse que sempre te dá dinheiro
para comprar alguns livros, certo? Eu queria saber se você entende
tudo sobre a lei. Bem, modéstia à parte,
sou incrível nisso. É que eu tenho um problema
, sabe, Armandinho? Você entende
sobre processos trabalhistas? Se o juiz não entende trabalhista, quem vai, né, mano? Uau, juiz! Não nasci para ser
juiz de primeira instância, não. Quem diria, hein?
Juiz. Esse é o foco, certo? Primeiro, tenho que passar alguns anos
como juiz de pequenas causas, porque não há concurso público
para juiz. -O cara está nomeado.
-Juiz? Então não é um juiz-juiz. Sua mãe deve morrer de orgulho, certo?
Sério! Um juiz. Sim, estou a caminho, certo? Mas primeiro eu tenho que passar
dois anos advogando para que eu possa fazer o teste de julgamento. Oh sim.
Dois anos? Então você acabou de se formar
na faculdade de direito, é isso? -Eu fiz.
-Olhar. Acabei de transferir minha
Faculdade de Matemática para Direito novamente. Matemática? Sim, irmão.
É um passo de cada vez. Foram sete anos como
fiscal da Alfândega Federal. Entendi. Inspetor fiscal. Você trabalhou muito na Alfândega? Não, estudei muito
para ser fiscal, mas acabei não passando
por causa da Polícia Civil. A polícia cancelou
o teste da Alfândega? Não, o teste de delegado
foi na mesma data. Então, você sabe como é. Sempre fui fã
desses filmes de ação, sabe? Entendi. Então você fez
o teste de delegado? Não, porque eu queria primeiro garantir a prova para arquivista na cidade
de Pirapora do Bom Jesus. Aí eu foquei, foquei,
foquei por dez anos seguidos, e não passei
, sabe por quê? Por causa dos meus pais, mano!
Pressão, pressão, pressão. Estou me sentindo sufocado! Eu também vivo sufocado. Quando perdi meu emprego,
Eleonora ficou brava. Ela estava com tanta raiva
que ameaçou quebrar tudo! Ela jogou uma cadeira,
quase me acertou. Nem me diga, mano! Esse fantasma de mesada
atrapalha qualquer um! Meu pai vive fazendo terrorismo
que vai cortar minha mesada, mano! Que ele vai levar a casa de Ubatuba,
tirar as chaves do carro. Aí eu pergunto
, eu pedi pra nascer? Eu pedi para nascer? Vida de merda!
Vida de merda! Vida de merda! Sim, vida de merda.